A CARNAÚBA
Destas raízes ergue-se o estipe, cilíndrico e direito
A carnaúba, ou carnaubeira (Copernicia prunifera, família Arecaceae), é planta originária do Brasil, e atinge uma altura média de 16 metros, variando a sua grossura entre 30 a 50 cm de circunferência. Possui numerosas raízes dispostas horizontalmente em roda do tronco e estendendo-se a grandes distâncias com pouca profundidade. Destas raízes ergue-se o estipe, cilíndrico e direito, o qual se compõe das seguintes partes: tronco, base intumescida e irregular; o meio, madeira de cor verde-escuro, lisa e naturalmente polida; o cabeço: terço superior de cujas extremidades se abrem os leques de folhas palminervais. Estes leques apresentam-se com pecíolos de l m. 30, achatados e vermelhos em sua parte inferior; na parte livre encontra-se guarnecidos de ambos os lados por espinhos negros e encurvados até o leque das folhas, que crescem perpendicularmente unidas por uma resina que as conserva juntas.
Quando a carnaúba atinge o seu desenvolvimento as folhas formam ao redor da palmeira uma série continuada de leques que pendem à proporção que envelhecem. No ângulo que a folha faz no caule, sobre o qual está inserida, destaca-se um apêndice de onde partem numerosas flores pequenas, as quais constam de dois cálices: um exterior formado de três pecíolos, e outro interior na forma de corola onde se encontram os órgãos de reprodução, ligados dois a dois. O fruto é do tamanho de uma avelã, no início azeitonado e azul-violeta quando maduro; é rodeado de polpa pouco abundante e coberto de um epicarpo vítreo.
Existem diversas variedades de carnaúba, a saber:
a) Carnaúba branca: as palmas nascem ligadas o estipe em hélices que, subindo da base, se desenvolve para a direita.
b) Carnaúba vermelha: as palmas nascem ligadas ao estipe em hélices que, subindo da base, se desenvolvem para a esquerda.
c) Carnaúba lavrada: quando, com a queda das primeiras folhas e desprendimento das espatas, a carnaúba apresenta um estipe limpo, de cor acinzentada, regular e ligeiramente cônica.
d) Cerandu; quando os pecíolos, ou talos, perdendo as folhas não se desprendem do estipe, apresentando uma posição oblíqua, ligeiramente curva.
e) Caracas de carnaúba: quando a espata se conserva aderente ao tronco, formando espiral em relevos nodosos.
A carnaúba com muita justiça é chamada de "Árvore da Vida" pelas inúmeras utilidades que oferece, a saber:
a) Raiz: usada medicinalmente nas afecções cutâneas, nos casos sifilíticos e é excelente diurético;
b) Tronco: usado nas construções rurais como tapumes, cercas, e currais, caibo, ripas, trapiches, obras de marcenaria.
c) Cabeço: oferece um palmito que é aproveitado na alimentação dos animais domésticos e do homem; da sua polpa extrai-se uma espécie de farinha e um leite semelhante ao leite de coco-da-bula;
d) Caroço: bem como a polpa quando torrado substitui o café.
e) Palha: usada na confecção de chapéus, esteiras, vassouras, cordas, abanos, redes, faneis, bolsas, e dela se extrai a cera que tem diversas finalidades, principalmente na composição de diversos produtos industriais entre eles: cosméticos, cápsula de remédios, ceras polidoras, revestimentos, componentes eletrônicos;
f) Fibra: usada na feitura de redes, tarrafas, mantas, escovas e vassouras.
g) Semente: tem vitalidade extraordinária, às vezes atravessa um ou dois anos sem apodrecer.
A cera existente nas suas folhas é um processo natural que a planta tem de auto defesa nas zonas secas. As folhas segregam um pó que se deposita na sua superfície em fina camada, obstruindo os poros evitando a transpiração da água, pela impermeabilização das folhas. Maior a seca maior é a secreção do pó e sua ação protetora. Nos climas úmidos a transpiração é tênue e a carnaúba não sente necessidade de proteger suas reservas d'água pela secreção da cera.
É a cera utilizada na confecção de pílulas, emplastos, ungüentos, nos sabonetes finos, como isolante elétrico, na fabricação de discos fotográficos e aparelhos físicos, polimento, graxas, lastros, vernizes, lubrificantes, encerados, fitas de comutador, adesivos, goma de mascar, cobertura de latas, proteção de cabos, papel carbono, ceras para sapatos, na composição de tintas, medicamentos. Por ser excelente isolante é também usada por surfistas nas suas pranchas. Usada na cobertura de pratos de papel e em fio dental. A borra, que é o refugo da palha após a extração da cera, é excelente matéria-prima para a fabricação da celulose, sem a necessidade de se utilizar produtos químicos; antigamente era jogada fora ou utilizada no adubo de canteiros. Convém observar que a única zona cerifica realmente produtiva está circunscrita à zona que vai do Piauí ao Rio Grande do Norte.
Chegou-se a levar a carnaúba para a Europa numa tentativa para industrialização em grande escala da cera. A planta, ao contrário da seringueira, em vingança por ter sido levada da sua terra não deu cera. Não sofre a ação de qualquer praga.
Em virtude da desvalorização dos preços da cera vegetal voltaram os carnaubais a serem alvos de desmatamentos para dar lugar à carcinicultura e agricultura irrigada, perdendo assim uma das suas principais funções que é o equilíbrio ecológico, conservação dos solos, fauna, cursos d�água e mananciais hídricos.
Na industrialização da cera bruta, passa pelo processo de refino, através das seguintes etapas: filtração, destilação, centrifugação, clarificação e escamação. Existem três tipos de cera: 1(cera flor), 3 e 4(centrifugada e filtrada) com suas características químicas próprias.
Um grande feito industrial feito pela extinta firma Moraes S.A. Indústria e Comércio foi, depois de pesquisas em seu laboratório, a transformação da cera parda em cera flor. Antes a cera flor era obtida exclusivamente da palha nova fechada. A cera obtida de folhas maduras já abertas é de tom verde escuro, que no processo de filtragem ou clareada apresenta-se na cor marrom ou alaranjado.
Observou-se no campo a falta de representatividade do setor junto a entidades e instituições do município e do estado, falta de conhecimento gerencial e técnico sobre a atividade, falta de crédito tanto para custeio, investimento em máquinas para corte e produção da cera, a falta de garantia de preços mínimos que existia antigamente e finalmente a falta de assistência social às famílias dos trabalhadores rurais para melhorar as condições de trabalho.
Na cadeia produtiva vamos encontrar: o proprietário rural, que nem sempre é o produtor de pó ou cera; o rendeiro (hoje escasso) que sempre extrai e faz o pré-beneficiamento; o industrial da cera, que realiza o beneficiamento final e é o exportador.
No que se refere ao artesanato da palha da carnaúba há o desconhecimento dos mercados, ausência de linha de crédito, falta de divulgação dos artesanatos, a necessidade de seminários, cursos e palestras para os artesões sobre noções elementares de gestão de negócios incluindo informações sobre custo e mercado; promover campanha de divulgação dos produtos artesanais, nos mercados nacional e externo, inclusive a participação em feiras e outros eventos nacionais e internacionais.
Sobre a sua origem existe a seguinte lenda:
"Em uma região fecunda e bonançosa - conta uma lenda indígena - habitava uma tribo feliz e próspera, em tempos que a memória não guardou.
Um dia, uma seca terrível assolou o país lendário. Luas e luas os habitantes aguardaram as chuvas. Mas o flagelo persistiu. E a tribo, outrora feliz, viu seus filhos morrer um após outro. Uma família apenas sobreviveu à catástrofe: um casal e o filho. E, ante a ruína de seu povo, os três partiram em busca de outras terras. Seis dias e seis noites viajaram os retirantes. No sétimo dia, sob um sol causticante, avistou na chapada uma palmeira perdida no deserto. Abrigaram-se à sua sombra para uns momentos de repouso. Vencidos pelo cansaço, os pais adormeceram, enquanto o jovem índio, desperto, implorou as graças de Tupã.
Nesse momento, no alto da palmeira, entre sua folhagem, surgiu uma mulher, morena e bela.
- Meu nome é Carnaúba - disse ela. Como a tua, a minha tribo foi destruída pela seca. Quando morri, Tupã, apiedado, me transformou nesta palmeira, para que protegesse nossos irmãos de raça.
- Toma de teu machado e me corta. Do meu estipe tirarás o palmito, e terás alimento; com minha palha, construirás teu abrigo; da minha cera farás vela e terás paz. O meu fruto plantará e outras palmeiras surgirão para o teu povo.
Assim fez o jovem índio. Em alguns anos, o deserto se transmudou num palmeiral farfalhante. A família transformou-se em clã. A vida voltou a ser feliz. E o jovem índio, agora envelhecido, partiu para levar, às outras tribos, sementes da palmeira de Tupã, que passou a chamar-se a Árvore da Vida�.
Teresina (PI), 03 de março de 2010
Santa Teresa Eustóquio Verzeri, virgem (�1852)
in hoc signo vinces
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