sábado, 15 de março de 2014

Velinhas pra ponte que ela merece

Por:Pádua Marques(*)
Fosse uma mulher estaria neste exato momento sentindo a chegada dos cabelos grisalhos, a beleza de antes rareando no corpo e nos traços do rosto. Mas como nunca foi não é e nem nunca vai ser, pouca gente certamente vai prestar atenção quando passar por cima. A ponte ligando a cidade de Parnaíba à ilha de Santa Isabel completou na segunda-feira dia 10, seus 39 anos de inaugurada. É talvez pra os parnaibanos testemunhas daquele feito de março de 1974, um dos acontecimentos maiores da sua história.
Não poderia ser pra menos. Uma ponte ligando a ilha ao continente e dando condições à sua escassa população de chegar com maior rapidez e segurança a toda sorte de serviços, melhores condições de vida pelo acesso aos hospitais, farmácias, clínicas, escolas, mercados, supermercados deste lado de cá, sem se arriscar na travessia em canoas tão pequenas que davam mal pra acomodar seis pessoas. E mais cheias de buracos que mais pareciam tábua de pirulitos.
E quem é daquele tempo há de lembrar que havia dois tipos de travessia. O primeiro, de graça, na canoa da prefeitura. Sempre cheia de gente. Mulher com menino, velho resmungão, mocinha com os cadernos na frente dos peitos, moleques peraltas indo à cata de cajus ou na vadiagem de caçar e matar calango pras bandas do Labino ou do Alto do Batista. Tinha final de expediente às seis da tarde. Perdeu, perdeu. A outra era de aluguel. Coisa de um real valendo na moeda de hoje. Salvo engano tinha expediente mais alongado, nove da noite.
Durante sua construção, a ponte teve muita gente que saía de casa somente pra ver essa movimentação de máquinas e de homens descendo e subindo a avenida Presidente Getúlio Vargas, caminhões possantes, gente de fora, engenheiros, armadores e toda sorte de trens nunca vistos por essas bandas. Um sonho sendo finalmente realizado na pessoa do governador Alberto Silva e que havia conseguido um padrinho com muita tinta na caneta em Brasília, o ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso.
Foi Reis Velloso, embora num cargo técnico, a última vez que um parnaibano esteve no primeiro escalão do Governo Federal numa função de peso. Depois dele, a Parnaíbasó tem amargado o ostracismo político. Mas voltando pra ponte, que recebeu o nome de Simplício Dias da Silva, reconheçamos, muito que melhorou a vida de centenas e mais centenas de rapazes e moças que antes pra estudar na Parnaíba tinham que molhar o fundo das calças dentro de canoas cheias de buracos e que o remador tinha que ir tirando com um cuia ou uma lata de óleo de cozinha. Uma cena de Munbai ou Bombain, como queiram.
Facilitou e muito a chegada de verduras, legumes, pescados de todo tipo vindos do Labino, Tatus e tantos fossem os povoados dos Morros da Mariana pras feiras e mercados. E na visibilidade de Alberto Silva estava se abrindo ali também as portas pra o turismo com acesso à praia da Pedra do Sal. Ainda não se falava por aquela época nessa coisa de delta, Delta Américas, delta do Edilson Morais Brito, porto dos Tatus, Ilha das Canárias e outros tantos adjetivos. Mas uma pena que muita coisa mentalizada pelo engenheiro Alberto Silva nunca se concretizou.
 Das duas uma: ou Alberto Silva era inteligente demais ou seus conterrâneos não souberam aproveitar a chance e o aceno que ele lhes deu pra um futuro mais repleto de progresso e desenvolvimento. Porque não se consegue entender que mesmo depois de uma ponte daquele tamanho a Ilha Grande de Santa Isabel ainda continue a ser um imenso deserto, um capinzal, sem qualquer sinal de que existe gente. É inconcebível que quase 40 anos passados toda aquela população do outro lado da beira do rio Igaraçu ainda continue num estado de calamidade social.
Mas o que faz com que esta parte insular da região norte do Piauí, de frente pra um rio, vizinha de uma cidade feito a Parnaíba, que agora tem até shopping center e logo mais vai ter avião da Azul, ainda continue com aquela cara de gente largada à própria sorte? Pelos anos e mais anos que existe Ilha Grande do Piauí, politicamente falando, ainda não se vê uma nesga sequer de vontade de seguir os outros. E olhe que a ponte foi construída com essa finalidade. Mas o que é que há, meu São Cristóvão, padroeiro das pontes?
O certo é que passa a impressão de que aquela ponte pouco serviu pra alguma coisa. O povoamento da ilha em larga escala não se deu. Os mecanismos, projetos e a força do capital pra desenvolver o turismo não chegaram, não foram assimilados ou simplesmente foram menosprezados. E a ponte, que era coisa, como é próprio das pontes, pra unir, acabou sendo um elefante cinza um divisor de população. A ilha do outro lado, pelo menos a parte da beira do rio, continua sendo a nossa Timon. Tem como transformar a ilha num grande investimento. A ponte já tem. Agora é trabalhar pelo resto.
(*)Pádua Marques é jornalista e escritor

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