sexta-feira, 5 de maio de 2017

Acordo garante a preservação de peixes e pesca sustentável no Piauí e Ceará

Pescador exibe um peixe e uma poderosa ideia: preservar para ter sempre
Olha só que coisa boa: pescadores de faixas litorâneas do Piauí e Ceará estão consolidando há um ano uma prática de conservação e sustentabilidade nos estuários dos rios dos rios Timonha e Ubatuba, nos municípios de Cajueiro da Praia, no Piauí, Barroquinha e Chaval, no Ceará. A região faz parte da Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba.

Lá, viver da pesca não é somente uma expressão que remete à renda que o peixe proporciona. Comer-se muito pescado: 21,5 quilos per capita anual, mais que duas vezes e meia o consumo brasileiro (6,7 quilos por pessoa ano) e quase duas vezes o consumo mundial, de 13,3 quilos por hectare.

Pelo menos duas mil famílias são signatárias do primeiro Acordo de Pesca da Região Nordeste. O documento define um modelo de gestão e de manejo sustentável dos recursos pesqueiros para preservação dos estoques.

As regras previstas no acordo estão em vigor desde maior do ano passado, previstas em portaria do Instituto Chico Mendes para Preservação da Biodiversidade – ICMbio. O documento criou uma área de berçário com 1.457,67 hectares para reprodução e recrutamento de peixes, restrita à pesca, com permissão para o uso de linha de mão e tarrafa e permanência dos currais já existentes.

Entre outras determinações, o documento estabeleceu de uma área destinada somente à pesca com facho, atividade realizada sempre à noite com um facho de luz, para reduzir os conflitos entre os pescadores que usam outros instrumentos.

O acordo fortalece também a proteção dos recursos hídricos, a educação ambiental, incentiva o turismo ecológico, disciplina as atividades econômicas e preserva a cultura dos nativos da área.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, no Município de Parnaíba, a 348 quilômetros ao norte de Teresina, já está fiscalizando o cumprimento da portaria. Os pescadores estão fazendo o dever de casa. Até agora ninguém foi multado, segundo a analista Patrícia dos Passos Claro. As multas, que variam de R$ 500 a R$ 100 mil, serão aplicadas de acordo com o crime ambiental.

Um longo percurso
Para chegar ao Acordo de Pesca, celebrado pela comunidade científica da região como um dos principais avanços na preservação da biodiversidade, pescadores e pesquisadores percorreram um longo caminho. Durante os anos de 2010 e 2011, foram realizados encontros que definiram, em uma carta-proposta, regras para preservar o estuário e a sobrevivência das comunidades. As pesquisas científicas eram o marco zero do protocolo.

Desse esforço nasceu o Projeto Pesca Solidária, explica a bióloga Francinalda Rocha, da ONG Comissão Ilha Ativa. Ela conta que os pescadores queriam conhecer a área onde moram, o estoque pesqueiro e as espécies que vivem no estuário.
A área dos estuários do rio, com detalhe para o berçário de peixes
Para atender a demanda, a Embrapa e as universidades Federal e Estadual do Piauí entraram no projeto estudando a qualidade da água e os principais peixes que habitam o estuário, como a tainha (Mugil curema), bagre-camboeiro (Sciades herzbergii), bagre-amarelo (Aspistor luniscutis), carapitango (Lutjanus jocu) e a pescada-amarela (Cynoscion acoupa).

Quando o time de cientistas entrou em campo em 2014, o pesquisador Alexandre Kemenes, da Embrapa, começou a monitorar a qualidade da água no estuário. Com uma equipe de estudantes, ele percorreu quilômetros dos rios Timonha e Ubatuba, desde as nascentes, na Serra da Ibiapaba, no Ceará, checando a temperatura, oxigênio dissolvido, pH e condutividade elétrica, transparência e turbidez. “De um modo geral, as condições ambientais desse ecossistema são boas”, conclui Kemenes.
A alimentação, reprodução e a diversidade de espécies foi outra etapa do estudo que envolveu os pesquisadores da Embrapa, UFPI, UESPI e CIA. Ao todo, foram identificadas 184 espécies. O professor Filipe Melo, da Universidade Estadual do Piauí, identificou 89 espécies, usando, uma vez por mês, o arrasto, que é uma rede em forma de funil. A diversidade das espécies e o ambiente preservado chamaram a atenção dele. “Foi enriquecedora a experiência”, destaca.

Na outra ponta da pesquisa de identificação das espécies esteve a bióloga Kesley Paiva, da ONG Comissão Ilha Ativa. Em praticamente dois anos, toda semana, ela buscou informações dos pescadores em quatro pontos de desembarque de barcos com peixes no Piauí e Ceará. “O trabalho foi uma aposta no futuro dos estoques pesqueiros da região”, disse.

Principais espécies encontradas no estuário, a tainha, o bagre-camboeiro, o bagre-amarelo, o carapitango e a pescada-amarela, consumidas em larga escala no País, foram estudadas pelos pesquisadores Alitiene Pereira, da Embrapa, Cezar Fernandes e Edna Cunha, da Universidade Federal do Piauí. Em um trabalho de fôlego, que resultou no livro A Pesca no Estuário do Timonha e Ubatuba, os cientistas mostram, em detalhes, todo o ciclo reprodutivo das espécies, alimentação e a diversidade dos peixes e de outros animais aquáticos.

A vida no estuário Timonha e Ubatuba
Chegar ao estuário dos rios Timonha e Ubatuba é mais que uma aventura. É carimbar o passaporte para um paraíso que ainda guarda uma riqueza ambiental como poucas no Brasil. A 400 quilômetros de Teresina e 500 quilômetros de Fortaleza, o estuário é um dos principais berçários de peixes e crustáceos do Nordeste, habitat de espécies marinhas em extinção, como o mero, a tartaruga marinha e o peixe-boi marinho.
Situado a oito quilômetros da praia de Barra Grande, no litoral do Piauí, o estuário é parte da Rota das Emoções, roteiro turístico ligando ainda os estados do Maranhão e Ceará. O local concentra a segunda maior área de mangue do Nordeste, com cerca de 11 mil hectares. A primeira é no Delta do rio Parnaíba, com 29.701 hectares.

“O estuário integra a Rota do Atlântico para aves migratórias que vêm de outros continentes em busca de alimentos”, diz o jornalista e pesquisador Chico Rasta, que é um estudioso da área e participou ativamente do Projeto Pesca Solidária, fotografando peixes, tartarugas, aves e praticamente todo o trabalho dos cientistas.

Uma das preocupações dos pesquisadores do Projeto Pesca Solidária é com a ameaça de extinção do peixe-boi marinho (Trichechus manatus), que vem perdendo espaço costeiro de reprodução e berçário, devido às capturas acidentais. Segundo um estudo da Aquasis, publicado no livro Peixe-boi marinho: biologia e conservação, de 2016, ainda existem cerca de 1.104 exemplares desse animal entre o litoral do Norte e do Nordeste do Brasil.

A bióloga Liliana de Oliveira Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa, ressalta a importância dessa espécie na conservação de estuários em todo o País: “A importância do peixe-boi marinho, em qualquer ambiente aquático, é muito grande. Os animais aquáticos dependem dele para a sobrevivência. Na verdade, ele é um indicador de saúde do ambiente. Tanto a urina como as fezes dele servem de alimentação para os outros animais e fazem o controle biológico do ambiente”.

Por Claudio Barros/PortalAZ com informações da Embrapa Meio-Norte | Edição: Jornal da Parnaíba

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