Pescador exibe um peixe e uma poderosa ideia: preservar para ter sempre |
Olha só que coisa boa: pescadores de faixas litorâneas do Piauí e Ceará estão consolidando há um ano uma prática de conservação e sustentabilidade nos estuários dos rios dos rios Timonha e Ubatuba, nos municípios de Cajueiro da Praia, no Piauí, Barroquinha e Chaval, no Ceará. A região faz parte da Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba.
Lá, viver da pesca não é somente uma expressão que remete à renda que o peixe proporciona. Comer-se muito pescado: 21,5 quilos per capita anual, mais que duas vezes e meia o consumo brasileiro (6,7 quilos por pessoa ano) e quase duas vezes o consumo mundial, de 13,3 quilos por hectare.
Pelo menos duas mil famílias são signatárias do primeiro Acordo de Pesca da Região Nordeste. O documento define um modelo de gestão e de manejo sustentável dos recursos pesqueiros para preservação dos estoques.
Entre outras determinações, o documento estabeleceu de uma área destinada somente à pesca com facho, atividade realizada sempre à noite com um facho de luz, para reduzir os conflitos entre os pescadores que usam outros instrumentos.
O acordo fortalece também a proteção dos recursos hídricos, a educação ambiental, incentiva o turismo ecológico, disciplina as atividades econômicas e preserva a cultura dos nativos da área.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, no Município de Parnaíba, a 348 quilômetros ao norte de Teresina, já está fiscalizando o cumprimento da portaria. Os pescadores estão fazendo o dever de casa. Até agora ninguém foi multado, segundo a analista Patrícia dos Passos Claro. As multas, que variam de R$ 500 a R$ 100 mil, serão aplicadas de acordo com o crime ambiental.
Um longo percurso
Para chegar ao Acordo de Pesca, celebrado pela comunidade científica da região como um dos principais avanços na preservação da biodiversidade, pescadores e pesquisadores percorreram um longo caminho. Durante os anos de 2010 e 2011, foram realizados encontros que definiram, em uma carta-proposta, regras para preservar o estuário e a sobrevivência das comunidades. As pesquisas científicas eram o marco zero do protocolo.
Desse esforço nasceu o Projeto Pesca Solidária, explica a bióloga Francinalda Rocha, da ONG Comissão Ilha Ativa. Ela conta que os pescadores queriam conhecer a área onde moram, o estoque pesqueiro e as espécies que vivem no estuário.
A área dos estuários do rio, com detalhe para o berçário de peixes |
Para atender a demanda, a Embrapa e as universidades Federal e Estadual do Piauí entraram no projeto estudando a qualidade da água e os principais peixes que habitam o estuário, como a tainha (Mugil curema), bagre-camboeiro (Sciades herzbergii), bagre-amarelo (Aspistor luniscutis), carapitango (Lutjanus jocu) e a pescada-amarela (Cynoscion acoupa).
Quando o time de cientistas entrou em campo em 2014, o pesquisador Alexandre Kemenes, da Embrapa, começou a monitorar a qualidade da água no estuário. Com uma equipe de estudantes, ele percorreu quilômetros dos rios Timonha e Ubatuba, desde as nascentes, na Serra da Ibiapaba, no Ceará, checando a temperatura, oxigênio dissolvido, pH e condutividade elétrica, transparência e turbidez. “De um modo geral, as condições ambientais desse ecossistema são boas”, conclui Kemenes.
A alimentação, reprodução e a diversidade de espécies foi outra etapa do estudo que envolveu os pesquisadores da Embrapa, UFPI, UESPI e CIA. Ao todo, foram identificadas 184 espécies. O professor Filipe Melo, da Universidade Estadual do Piauí, identificou 89 espécies, usando, uma vez por mês, o arrasto, que é uma rede em forma de funil. A diversidade das espécies e o ambiente preservado chamaram a atenção dele. “Foi enriquecedora a experiência”, destaca.
Na outra ponta da pesquisa de identificação das espécies esteve a bióloga Kesley Paiva, da ONG Comissão Ilha Ativa. Em praticamente dois anos, toda semana, ela buscou informações dos pescadores em quatro pontos de desembarque de barcos com peixes no Piauí e Ceará. “O trabalho foi uma aposta no futuro dos estoques pesqueiros da região”, disse.
Principais espécies encontradas no estuário, a tainha, o bagre-camboeiro, o bagre-amarelo, o carapitango e a pescada-amarela, consumidas em larga escala no País, foram estudadas pelos pesquisadores Alitiene Pereira, da Embrapa, Cezar Fernandes e Edna Cunha, da Universidade Federal do Piauí. Em um trabalho de fôlego, que resultou no livro A Pesca no Estuário do Timonha e Ubatuba, os cientistas mostram, em detalhes, todo o ciclo reprodutivo das espécies, alimentação e a diversidade dos peixes e de outros animais aquáticos.
A vida no estuário Timonha e Ubatuba
Chegar ao estuário dos rios Timonha e Ubatuba é mais que uma aventura. É carimbar o passaporte para um paraíso que ainda guarda uma riqueza ambiental como poucas no Brasil. A 400 quilômetros de Teresina e 500 quilômetros de Fortaleza, o estuário é um dos principais berçários de peixes e crustáceos do Nordeste, habitat de espécies marinhas em extinção, como o mero, a tartaruga marinha e o peixe-boi marinho.
Situado a oito quilômetros da praia de Barra Grande, no litoral do Piauí, o estuário é parte da Rota das Emoções, roteiro turístico ligando ainda os estados do Maranhão e Ceará. O local concentra a segunda maior área de mangue do Nordeste, com cerca de 11 mil hectares. A primeira é no Delta do rio Parnaíba, com 29.701 hectares.
“O estuário integra a Rota do Atlântico para aves migratórias que vêm de outros continentes em busca de alimentos”, diz o jornalista e pesquisador Chico Rasta, que é um estudioso da área e participou ativamente do Projeto Pesca Solidária, fotografando peixes, tartarugas, aves e praticamente todo o trabalho dos cientistas.
Uma das preocupações dos pesquisadores do Projeto Pesca Solidária é com a ameaça de extinção do peixe-boi marinho (Trichechus manatus), que vem perdendo espaço costeiro de reprodução e berçário, devido às capturas acidentais. Segundo um estudo da Aquasis, publicado no livro Peixe-boi marinho: biologia e conservação, de 2016, ainda existem cerca de 1.104 exemplares desse animal entre o litoral do Norte e do Nordeste do Brasil.
A bióloga Liliana de Oliveira Souza, da ONG Comissão Ilha Ativa, ressalta a importância dessa espécie na conservação de estuários em todo o País: “A importância do peixe-boi marinho, em qualquer ambiente aquático, é muito grande. Os animais aquáticos dependem dele para a sobrevivência. Na verdade, ele é um indicador de saúde do ambiente. Tanto a urina como as fezes dele servem de alimentação para os outros animais e fazem o controle biológico do ambiente”.
Por Claudio Barros/PortalAZ com informações da Embrapa Meio-Norte | Edição: Jornal da Parnaíba
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