sexta-feira, 28 de março de 2014

A noite que Wilson Martins quase perdeu o mandato

O governador terminará de cumprir seu mandato na próxima semana – precisamente no dia 05 de abril, conforme anúncio oficial. Apesar de responder a processos, ele conseguiu permanecer no cargo. Mas a historia poderia ter sido diferente, se não fosse pela ação da Justiça Eleitoral, que preferiu vendar os olhos a um flagrante delito de compra de voto.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral Nº 1-92.2011.6.18.0000, impetrada pelo Ministério Público Eleitoral, contra Wilson Martins, permanece quase parada. O relator era o desembargador José Ribamar Oliveira, ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). 

O magistrado, também ex-vice-presidente e ex-corregedor geral do TRE, foi condecorado por Wilson Martins com a Medalha do Mérito Renascença. E a justiça, ao que parece, não levou em consideração a história de um homem: Juracy Félix de Araújo Nascimento, 1º tenente da Polícia Militar.
Desembargador Oliveira foi condecorado por Wilson com a
Medalha do Mérito Renascença
A conduta do policial, na madrugada de 31 de outubro de 2010, às vésperas do dia da votação, poderia ter contribuído para mudar a história política do Piauí. Através de documentos, obtidos com exclusividade, de autoridades do Judiciário, Capital Teresina chegou àquele que será conhecido como o Incidente da Rua Picos, onde agentes da PM e Polícia Federal (PF) prenderam em flagrante elementos praticando compra de votos, para Wilson Martins.

De acordo com o Auto de Prisão em Flagrante – FLAG Nº 668-2010 - SR/DPF/PI –, lavrado na Superintendência da PF, em 31 de outubro de 2010, o 1º tenente da PM, Juracy Félix, conduziu a prisão de quatro homens e um menor, autuados numa célula de compra de votos. Foram presos Fábio Luiz Alves Castelo Branco, Júlio Rodrigues de Sousa Neto, Francisco Ferreira do Rego Júnior e Juciê Araújo Costa. Também detido foi Fabiano Cordeiro da Silva, então menor de idade.

A prisão dos cinco suspeitos de compra de voto foi baseada nos artigos Nº 299, do Código Eleitoral, e Nº 288, do Código Penal, legislação que norteou o comportamento do oficial da PM, à frente, naquela madrugada, de várias equipes de policiais sob seu comando. Em depoimento à PF, Juracy Félix, então lotado no 1º Batalhão, contou que os policiais Rorisvaldo Viana Batista e Leandro Meneses Basílio Ferro Gomes, em sua viatura, perseguiram um veículo suspeito.
Cinco suspeitos foram presos e encaminhados à Superintendência da Polícia Federal
Tratava-se de uma moto com adesivo de Wilson Martins recobrindo a placa, e dotada de sinalizador giroflex, equipamento de uso exclusivo das polícias. A moto era conduzida por Fabiano Cordeiro da Silva, que tentou fugir, até chegar à frente de uma residência, localizada na Rua Picos, no Bairro Piçarra. O pedido de reforços pelo rádio atraiu para o local outras três viaturas da Polícia Militar – num dos veículos estava o tenente Juracy Félix.
LIBERA OS MENINOS
O que aconteceu, daí para frente, seria digno de uma minissérie policial, numa sequência impressionante de fatos que envolveram inclusive o então comandante-geral da PM, o coronel Francisco Prado, que ligou para o tenente durante a confusão instalada na Rua Picos. Pelo celular, o coronel Prado ordenava: “libera os meninos!”. Félix não acatou a ordem do comandante, e não liberou os suspeitos. Mesmo contra a ordem de Prado, o tenente convocou a Polícia Federal.

“Olha, tenente, você vai responder! Esse negócio vai feder!” As palavras do então comandante foram respondidas no gesto de desligar o celular, por parte de Juracy Félix, que, em seguida, evitou atender às chamadas sucessivas do coronel. No intervalo de tempo, entre a interceptação da moto de Fabiano e a prisão em flagrante, dezenas de cabos eleitorais de Wilson Martins correram para o local.
Era uma tentativa desesperada de dissuadir o oficial da PM e seus homens, no sentido de não levar adiante a obstinação de cumprir a lei. Além da moto, foram apreendidos um veículo Siena, de cor preta, e uma pick-up L-200, ambas igualmente equipadas com giroflex, e adesivadas com propaganda eleitoral de Wilson Martins. Na L-200, “foram encontrados muito material panfletário, muitas pastas, listas e listas contendo nomes de pessoas”, conforme o depoimento do tenente.

VERDADEIRO INFERNO

Os militares e federais perceberam ainda que as listas continham registros de valores, à frente dos nomes, “sendo que muitas destas listas eram impressas, e muitas outras, manuscritas em folhas de caderno destacadas”. Havia também faturas de energia da Eletrobrás, centenas de tickets com pequeno selo magnético ao centro, o logotipo da Fundação Francisca Clarinda, “e contendo em cada um destes tickets valores específicos”.

Os policiais também acharam, dentro da L-200, fotocópias de títulos eleitorais, RGs e CPFs. “O local virou um verdadeiro inferno, pois as pessoas chegavam com espírito de arruaça, sendo transportadas em carrocerias de pick-ups, e às vezes em cima do capô de veículos”, narrou o tenente, primeiro, diante do delegado da PF, 2ª Classe, Reinaldo Camelo de Carvalho; depois, para o Corregedor Eleitoral, no TRE, confirmando integralmente o depoimento inicial.
William Guimarães, hoje presidente da OAB-PI, defendeu o governador no processo
O depoimento de Juracy Félix à Justiça Eleitoral aconteceu no dia 22 de junho de 2012, e foi acompanhado pelo advogado William Guimarães, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/Secção Piauí (OAB/PI), que o interrogou, na ocasião. Após o incidente da Rua Picos, o oficial não sofreu retaliações diretas. Em meados de 2011, foi promovido para comandante da 3ª Companhia do 1º Batalhão, mas, seis meses depois, estava exonerado, estranhamente.

ÓTICA DOS VENCEDORES

À Polícia Federal o tenente disse que agiu, neste episódio, “por entender que as pessoas que ali estavam, e/ou para lá se encaminharam, estavam associadas para fins de crime eleitoral, em especial a compra de votos”. Por isso, deu voz de prisão em flagrante aos suspeitos, e os apresentou à PF. Mas a história, geralmente contada à ótica dos vencedores, não registrou as consequências devidas do comportamento exemplar do policial. E o que aconteceu naquela madrugada quase ficou no esquecimento.

Primeira página dos depoimentos do primeiro-tenente da PM, Juracy Félix
Capital Teresina\por Sérgio Fontenele

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...