segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Mar de algas: risco à vista no litoral do Piauí?

 Massa flutuante de Sargassum no Oceano Atlântico. Fonte: OOL - University South Florida.

Nos últimos anos, o mundo tem acompanhado com apreensão um fenômeno que cresce em escala e intensidade: os cinturões de algas que se acumulam em regiões costeiras, ameaçando ecossistemas, atividades econômicas e até a saúde humana. A notícia recente sobre o cinturão recorde de sargaço no Atlântico — com risco de atingir praias do Norte e Nordeste do Brasil — traz à tona uma preocupação que já começa a se materializar também no litoral piauiense.

O Delta do Parnaíba e as praias do Piauí, como Luís Correia e Cajueiro da Praia, não estão imunes a esse processo. Pesquisadores da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), liderados pela Dra. Maria Gardênia Sousa Batista, que pesquisa algas na região há pelo menos 25 anos, já observaram a chegada de espécies dos gêneros Sargassum e Cladophora nessas áreas. Trata-se de um alerta que conecta a realidade local a um fenômeno global.

Pesquisadoras visitando praias piauienses. Dra. Maria Lannari (UFRG) - de preto; Eng.Amb. Paula André - de azul e: Dra Gardênia Batista (UESPI). Foto: Arquivo pessoal Dra. Gardênia Batista.

Algas marinhas são organismos fundamentais nos oceanos: produzem oxigênio, servem de abrigo para peixes e invertebrados, e fazem parte da base da cadeia alimentar marinha. Contudo, em determinadas condições, podem se multiplicar de forma descontrolada. É o que acontece com os chamados “marés verdes” e “marés douradas”, compostas por grandes massas de macroalgas flutuantes, como espécies dos gêneros Ulva e Sargassum.

Segundo a Dra. Marianna Lanari, do Instituto de Oceanografia da Universidade do Rio Grande, essas algas de deriva podem desempenhar papel ecológico positivo, funcionando como refúgio e fonte de alimento para organismos marinhos. Mas, em excesso, formam conglomerados espessos que alteram a dinâmica costeira, reduzem a entrada de luz na água, geram condições de anóxia (falta de oxigênio) e liberam compostos tóxicos, inclusive gases de efeito estufa.

Algumas das algas encontradas já correspondem a espécies da massa flutuante. Fonte: Arquivo pessoal (Dra. Gardênia Batista)

Casos como a “Maré Verde” de Qingdao (China, 2008) ou os acúmulos de algas na Bretanha (França, 2009) já mostraram o potencial de causar prejuízos à pesca, ao turismo e à saúde pública.

Por que o Piauí está em risco?

O litoral do Piauí é pequeno em extensão, mas de enorme relevância ambiental e econômica. O Delta do Parnaíba, único delta em mar aberto das Américas, é berçário de inúmeras espécies marinhas e importante atrativo turístico. A chegada massiva de sargaço poderia impactar:

  • Ecossistemas sensíveis: os bancos de algas competem com a vegetação aquática local, sufocando habitats costeiros e alterando a biodiversidade;
  • Pesca artesanal: redes podem ficar obstruídas, e espécies de interesse econômico sofrem com a degradação de seus refúgios;
  • Turismo: praias cobertas por algas em decomposição perdem sua atratividade, além do mau cheiro gerado pela liberação de gases como o sulfeto de hidrogênio (H₂S);
  • Saúde pública: a decomposição libera compostos que podem provocar dores de cabeça e problemas respiratórios em populações costeiras.

Os fatores que intensificam esse fenômeno estão relacionados às mudanças climáticas: aumento da temperatura da água, alteração do regime de chuvas, maior aporte de nutrientes e acidificação dos oceanos.

O monitoramento realizado por equipes locais já aponta a necessidade de maior atenção. Tanto a comunidade científica quanto órgãos ambientais devem atuar em conjunto para acompanhar a dinâmica das algas e propor soluções.


Uma das alternativas em discussão é o aproveitamento sustentável dessa biomassa algal. De acordo com especialistas, o sargaço poderia ser utilizado na produção de biocombustíveis, carvão, bioplásticos e até na indústria têxtil. Assim, aquilo que representa ameaça pode se tornar também recurso — desde que haja tecnologia e políticas adequadas.

Uma ameaça real para o Piauí

O avanço do cinturão de sargaço no Atlântico é um lembrete de que fenômenos globais não respeitam fronteiras. O litoral piauiense, embora pequeno, possui grande vulnerabilidade diante desse risco. O Delta do Parnaíba, com sua biodiversidade singular, e as praias turísticas da região podem sofrer impactos ecológicos, sociais e econômicos significativos se o fenômeno se intensificar.

Por isso, ciência, políticas públicas e conscientização da sociedade precisam caminhar juntas. O mar de algas que se aproxima pode ser tanto uma ameaça devastadora quanto uma oportunidade de inovação sustentável. O futuro do nosso litoral depende das escolhas que fizermos agora.

Por Francisco Soares Filho | cidadeverde

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