Há 11 meses trabalhando como operador de telemarketing em um call center, Marcel Borges, de 26 anos, ainda não tem crachá e login com o seu nome social. Ele vai ao banheiro de deficientes, que é unissex, por não se sentir à vontade para usar nem o feminino nem o masculino.
“Se você arranjar um emprego, não finja que você é outra coisa só para conseguir esse emprego”, afirma Borges.
A inclusão de transexuais, travestis e transgêneros no mercado de trabalho ainda é um desafio para as empresas brasileiras. Preconceito, desrespeito ao nome social e desconhecimento são apenas algumas das situações enfrentadas no ambiente de trabalho ou durante as seleções para um emprego.
Conheça a história de cinco transexuais brasileiros sobre inclusão no mercado de trabalho (veja com detalhes as histórias de cada um no fim dessa reportagem). Mateus, Marcel, Miguel e Luana contaram que enfrentaram diversas dificuldades para conseguir um emprego e para obter o reconhecimento da sua identidade de gênero no ambiente profissional. Por outro lado, Michelle conseguiu fazer a transição no seu ambiente de trabalho e é respeitada.
Segundo eles, é comum ouvir que o currículo é bom, mas que o nome de registro seria utilizado na identificação como empregado. “Eu não quis o emprego porque eu não ia poder ser quem eu sou. Eu passei a minha vida toda fingindo ser quem eu não sou. Não quero mais isso”, afirma Miguel Jabriel, de 20 anos, que buscou trabalho por um ano.
De acordo com Marina Reidel, coordenadora-geral de promoção dos diretos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a sociedade ainda é preconceituosa e nega emprego formal a transexuais. “O desafio é sensibilizar a sociedade. Temos profissionais capacitados em várias áreas e muitas vezes eles não conseguem emprego pela sua identidade de gênero”, diz.
O preconceito também impacta a escolaridade, já que muitos acabam deixando os estudos ou acabam saindo de casa pela falta de aceitação da família.
“As pessoas do grupo LGBT não têm facilidade de acesso ao ensino formal e ficam a margem, em casa e na sociedade. Quando elas começam a ter oportunidade de buscar seu trabalho, elas são discriminadas”, ressalta Jorgete Lemos Leite, diretora de diversidade da ABRH-Brasil.
Com isso, muitos encontram seu sustento na prostituição. Segundo estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil.
Não existem dados estatísticos sobre o número de transexuais, travestis e transgêneros empregados no mercado de trabalho brasileiro. “As travestis mulheres e homens trans que estão no mercado de trabalho não estão registrados com essa identidade de gênero. A maioria está registrada com o nome do seu RG”, afirma Keila Simpson, vice-presidente da ABGLT e presidente da Antra.
Busca pela diversidade
Algumas empresas já deram o primeiro passo para aumentar a diversidade nas suas equipes. Uma das iniciativas é o Fórum de Empresas LGBT, criado em 2013 e que atualmente reúne 39 companhias, e tenta ajudar a empregabilidade do público LGBT. Segundo Reinaldo Bulgarelli, coordenador do Fórum, a empregabilidade teve alguns avanços, mas ainda é preciso combater o preconceito.
“O foco deve ser o combate à discriminação e a inserção no mercado de trabalho, sobretudo em grandes empresas. Isso vai ajudar a romper esse ciclo”, ressalta Bulgarelli.
Entre as empresas, Dell, Carrefour e Sodexo são algumas das signatárias do Fórum LGBT. A Dell apoiou a transição de gênero de uma de suas funcionárias. “Apesar de ter uma cultura aberta, a empresa é compsota por pessoas e nem todas são iguais. A nossa liderança apoia para pessoa ser quem ela é”, ressalta Fernanda Kessler, líder de RH da Dell.
No Carrefour, mais de 30 transexuais trabalham nas lojas da rede no Brasil. “A inclusão de pessoas trans é um tema recente e nem sempre fácil de se lidar porque pode trazer dúvidas e conflitos. Ter um programa estruturado é fundamental, pois reafirma o compromisso da empresa com a inclusão de todas as pessoas e fornece as informações necessárias para que os colaboradores saibam como lidar nas mais diversas situações”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e responsabilidade social do Carrefour Brasil.
Veja histórias de transexuais sobre suas experiências no mercado de trabalho:
90 currículos em quatro meses
Mateus França, de 22 anos, entregou 90 currículos em quatro meses quando começou a procurar emprego, mas só conseguiu fazer uma entrevista.
França foi chamado para trabalhar em um supermercado e ao mesmo tempo conseguiu uma vaga com operador na Contax por meio do programa Transcidadania, da prefeitura de João Pessoa, direcionado à inclusão de transexuais no mercado de trabalho na cidade. Ele optou pela Contax por ter mais disponibilidade para estudar. Licenciado em educação física, o jovem pensa em cursar administração para crescer dentro da empresa.
Quando se descobriu transgênero, aos 17 anos, França saiu da sua cidade natal, no interior de Pernambuco, para buscar atendimento no ambulatório para travestis e transexuais em João Pessoa. Como ainda era menor de idade teve que esperar mais um ano para começar a hormonização.
Com o emprego fixo e a vontade de continuar a estudar, ele se considera privilegiado.
“Conheço pessoas que vão para prostituição. A maioria dos trans nem conclui ensino médio e eu consegui ter um ensino superior. Trabalhar, buscar outra faculdade e ser respeitado no meu ambiente de trabalho.”
Preconceito nas entrevistas
Miguel Jabriel, de 20 anos, quase conseguiu uma vaga, mas quando chegou ao local não foi contratado. Ele mandou o currículo, foi informado de que seu perfil era o que a empresa procurava. “Quando ele me viu disse que a vaga já estava preenchida. Quando ele me olhou eu vi que ele era preconceituoso, que não ia querer um homem trans na empresa”, conta o jovem.
Jabriel deixou a escola no último ano do ensino médio após ser humilhado por uma professora porque utilizou o banheiro masculino. Sem o apoio da família, ele morou por três meses na Casa 1, em São Paulo, um centro de acolhimento para LGBTs expulsos de casa.
“Meus pais não são muito religiosos, mas eles falavam que eu ia para o inferno. Minha mãe pensava que era só uma fase, mas eu sou assim. Eu sou o Miguel.”
Mas, depois de mais de um ano de procura, o jovem conseguiu um emprego. Há cerca de um mês ele trabalha em um hotel na capital. “Estou trabalhando e muito feliz pois utilizo meu nome social e sou respeitado como homem trans”, completa.
Transição no trabalho
Quando Michelle Soares, de 37 anos, formada em sistemas da informação, começou a trabalhar na Dell em 2011, como estagiária, ela ainda era chamada pelo seu nome de batismo, masculino.
Ela tentou fazer a transição de gênero em 2013, mas desistiu. “Não tive segurança quando as pessoas mais próximas não me apoiaram. Estava na empresa há dois anos e resolvi esperar para me estabilizar mais. A realidade do mercado de trabalho para pessoas trans é muito cruel”, conta.
Em novembro de 2015, Michelle tomou coragem e informou a empresa que era transgênero e que iria passar pelo processo de transição. O RH e o departamento de diversidade da empresa ajudaram no processo, buscando informações e traçando um planejamento para que toda a companhia entendesse o processo.
“Consegui fazer a transição em uma empresa que apoiou em todo o processo, me aceitou como a mulher que sou”, diz Michelle.
Emprego ajudou entendimento da mãe
Luana Azevedo, de 21 anos, procurou emprego por um ano e não passava da primeira entrevista.
“Quando ia na empresa não identificavam o nome com a pessoa (que viam) e acabavam se desinteressando. As pessoas se sentiam constrangidas quando chamavam o meu nome”, lembra.
A história dela mudou há cerca de dois anos quando ela conseguiu uma vaga de operadora de caixa no Carrefour. “Só acreditei que consegui o emprego quando assinaram a minha carteira”, lembra.
A jovem diz que lidar com o público nem sempre é fácil. Os clientes a achavam “diferente” no início. “Eles perguntavam se eu fazia academia porque me achavam diferente. Eu falava que era diferente e explicava que sou trans”, ressalta Luana.
A aceitação no mercado de trabalho também ajudou Luana com a família. “Minha mãe queria que eu me vestisse como homem e falava que eu ia sofrer. Depois que fui contratada, ela entendeu que uma empresa está me tratando como uma mulher e que isso é normal. Mas ela ainda me chama pelo nome de batismo”, diz Luana.
Para o futuro, os planos de Luana são fazer faculdade de psicologia, ficar fluente em inglês e morar em outro país.
Desrespeito na empresa
Marcel Borges, de 26 anos, é operador de telemarketing. “Foi o primeiro emprego que eu entrei como Marcel”, conta. Ele diz que quando cobra a troca de nome do crachá pelo nome social, não obtém resposta da empresa.
Ele ainda luta pelo reconhecimento do seu nome social, enquanto aguarda o início do tratamento de hormonização. “Eu sei que é um processo, eu nem penso muito assim por causa da ansiedade. Todas essas coisas têm um prazo para acontecer”. Borges ressalta ainda a importância do acompanhamento com a sua psicóloga.
Borges estuda pedagogia e também tentou encontrar estágio na área, mas não teve uma boa recepção. “Perdi as contas de quantos currículos mandei. Até mesmo na própria faculdade, o que eu mais ouvi é que vai ser difícil para mim. Nunca me chamaram para uma entrevista.”
G1
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