A única unidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) que havia no Piauí teve suas atividades encerradas na última quinta-feira (30), o que, para os servidores da entidade, representa um “retrocesso” e um “desmonte” na política indigenista do Brasil.
Além da Coordenação Técnica Local situada no município de Piripiri, outras 50 CTLs foram fechadas em todo o país, como consequência do decreto nº 9.010/2017, assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB).
No Piauí, o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que existem comunidades indígenas organizadas em três municípios do estado – Lagoa de São Francisco, Piripiri e Queimada Nova. Além disso, ainda há famílias indígenas que vivem na capital, integradas à sociedade e, ainda, as que vivem dispersas na zona rural do estado.
O indigenista especializado Romeu Tavares, servidor concursado da Funai, afirma que o fechamento da CTL de Piripiri deve prejudicar de forma significativa o trabalho de assistência às comunidades indígenas localizadas no estado.
“A maior concentração de indígenas no Piauí é em Teresina, segundo o censo do IBGE. Infelizmente, com o fechamento dessa CTL de Piripiri nós não teremos mais como prosseguir com o trabalho de mapeamento das comunidades rurais onde os índios vivem”, destaca Romeu Tavares, que atua na Funai desde 2010.
Romeu ressalta que em Teresina ainda há uma Casa de Saúde Indígena (Casai) localizada na BR 343, logo na saída da cidade, em direção à cidade de Altos. Ele explica que essa casa é utilizada para abrigar os índios que vivem no interior do estado quando eles precisam vir à capital para receber algum tipo de atendimento médico.
“A Casai faz o referenciamento para os casos de média e alta complexidade. Como unidade descentralizada da Sesai [Secretaria Especial da Saúde Indígena], ela faz gestão em saúde diferenciada indígena. Enquanto cabe à Funai realizar os processos de demarcação de terras indígenas e defender e promover os direitos sociais dos povos indígenas”, explica o servidor.
O Piauí também não possui sequer um polo-base de saúde destinado a atender as comunidades indígenas, o que é uma reivindicação antiga dessa população.
“Isso é um retrocesso, porque ainda está se pavimentando uma política indigenista dentro do Piauí, e se o órgão que é responsável por coordenar as ações indigenistas perde essa referência dentro do estado, isso vai dificultar muito esse trabalho, que, por sinal, já enfrenta várias limitações. As CTLs têm um trabalho de mobilização junto às comunidades. A gente fica mais próximo, dialoga com as aldeias”, salienta Romeu Tavares, que ainda não foi informado para onde será remanejado.
Nesta sexta-feira, servidores da Funai lotados no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba divulgaram um manifesto em que expressam sua indignação em relação ao decreto nº 9.010, assinado por Michel Temer.
Para a categoria, o decreto representa “um gigantesco golpe à política indigenista” e “reduz drasticamente a capacidade de trabalho eficiente junto aos povos indígenas, no que diz respeito à proteção e promoção dos direitos sociais”.
Os servidores afirmam que a Funai encontra-se “mergulhada num quadro de abandono”. E dizem que, embora o Governo Federal anuncie que pretende fortalecer a entidade, está fazendo justamente o oposto ao extinguir cargos, CTLs e ao ceder a pressões políticas para nomeação de pessoas que não têm qualquer trato ou familiaridade com a questão indígena.
No final da tarde desta sexta-feira, a reportagem do portal O DIA enviou um email para a assessoria de comunicação da Funai em busca de detalhes sobre o fechamento das CTLs, bem como do posicionamento da fundação. Mas o email não foi respondido até por volta das 20 horas, quando esta reportagem foi concluída.
Leia a íntegra do manifesto divulgado em conjunto, nesta sexta-feira, por servidores da Funai lotados no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba:
MANIFESTO POLÍTICOCONTRA O DESMONTE DA POLÍTICA INDIGENISTA“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes”.Abraham LincolnOs servidores da Fundação Nacional do Índio, lotados na Coordenação Regional Nordeste II e nas Coordenações Técnicas Locais a ela subordinadas, expressam sua indignação em relação ao decreto nº 9.010, publicado no dia 23 de março de 2017.Como se não bastassem os inúmeros ataques que os Povos Indígenas vêm sofrendo (PEC 215, Portaria 303/2012, Portaria 80/2017; inércia na demarcação de Terras Indígenas; limitação dos recursos orçamentários da FUNAI, dentre outros), a publicação, de forma sorrateira, do referido decreto, representa um gigantesco golpe à política indigenista, uma vez que não representa uma verdadeira “reestruturação” do órgão, mas sim uma medida que reduz, drasticamente, a capacidade de trabalho eficiente junto aos Povos Indígenas, no que diz respeito à proteção e promoção dos direitos sociais.É de conhecimento da presidência da FUNAI e do governo federal a realidade de enormes dificuldades e sucateamento das instâncias executoras do Órgão Indigenista, tanto as Coordenações Regionais quanto as Coordenações Técnicas Locais. A realidade da Coordenação Regional Nordeste II, e das CTLs que fazem parte de sua abrangência, não é diferente: falta de recursos; carência de pessoas para o cumprimento das ações; equipamentos danificados; frota de carros velhos e sem qualquer perspectiva de aquisição de novos veículos; locais de trabalho precários (alguns locais nem sequer há sede); desvalorização das pessoas e do trabalho que é realizado; são alguns elementos que fazem parte do nosso cotidiano de trabalho.Esse quadro de abandono em que a Instituição está mergulhada nos causa imensa tristeza, intensificada quando percebemos que as medidas políticas efetuadas representam um aprofundamento desta realidade que vivenciamos. A extinção de cargos, propagada no referido decreto, é o anúncio de dias muitos mais difíceis na construção da política indigenista, uma vez que atualmente já existe um grande déficit do quadro de pessoal para atender as demandas dos Povos Indígenas. Os cargos extintos são estratégicos e fundamentais para o bom funcionamento das Regionais e das Coordenações Técnicas Locais, como já é sabido por todos (menos pelo Decreto).No dia 30 de março, tivemos a notícia, através do Boletim de Serviço nº 03 da FUNAI, da relação das CTLs que estarão fechadas, em função do Decreto nº 9.010/2017. Dentre elas, estão as CTLs de Natal/RN e a CTL de Piripiri/PI em nossa circunscrição. Registramos que o fechamento de qualquer unidade da FUNAI traz enormes prejuízos aos Povos Indígenas e ressaltamos que estas duas CTLs são as únicas instâncias do Órgão Indigenista nos estados do Rio Grande do Norte e Piauí, respectivamente, onde o processo de invisibilidade e preconceito institucional contra os Povos Indígenas é bastante intensificado. Portanto, o fechamento destas CTLs é um ataque direto à dignidade e aos direitos indígenas nessas localidades. Registramos ainda a falta de clareza dos critérios utilizados para extinção das CTLs, podendo este fato, inclusive, gerar um conflito e uma disputa que será prejudicial aos Povos Indígenas, tendo em vista que, inevitavelmente, todas a Coordenações Regionais lutarão para manter e reestabelecer suas Coordenações Técnicas Locais. Tudo isso é temerário. A nossa luta deve ser pelo fortalecimento institucional e por um diálogo transparente com a Presidência da FUNAI, suas Diretorias e o Ministério da Justiça.Mencionamos, ainda, os colegas que, apesar de não pertencerem ao quadro de servidores efetivos da FUNAI cumpriam com grandeza e compromisso as suas funções e de repente se viram perdidos; pois sequer foram comunicados, tempestivamente, da extinção dos cargos que ocupavam. Soma-se a este quadro caótico, a dificuldade de vislumbrar a recomposição do quadro funcional, considerando que atualmente a única forma de restabelecimento do quadro da FUNAI é o Concurso Público realizado em 2016 com quantitativo insuficiente para suprir a real necessidade do órgão, diante de inúmeros processos de aposentadoria e perda dos colaboradores sem vínculo funcional. Expressamos, assim, toda nossa solidariedade a estes colegas e àqueles que, assim como nós, ficarão ainda mais sobrecarregados de atividades.Fala-se em blindar e fortalecer a Fundação em sua sede e nas bases regionais, mas como fazer isso extinguindo cargos, CTLs e cedendo a pressões políticas para nomeação de pessoas que não têm qualquer trato ou familiaridade com a questão indígena? Não é desta forma que esse órgão que completa em 2017 50 anos de existência, fundamental para o fortalecimento e sobrevivência dos povos indígenas, vai conseguir solucionar conflitos em áreas que ainda não foram demarcadas.Precisamos entender como a diretoria da FUNAI vai “adequar a instituição à nova realidade”, como foi noticiado, priorizando as necessidades dos povos indígenas em cada região, se a quantidade de CTLs não corresponde à necessidade dos Povos Indígenas, exatamente porque houve redução de unidades locais e de cargos.Se a extinção de 87 cargos e 51 CTLs não enfraquece a instituição, o que então enfraquece? O enfraquecimento da Funai reside no fato de fazermos críticas a esse decreto ou se trata de uma represália contra a resistência ao processo de desmantelo da Funai?Acreditamos que, no Estado democrático, a construção da política indigenista se dá por meio de um diálogo franco e transparente. O silêncio demorado e a falta de respostas têm criado um muro na relação entre Coordenações Regionais, FUNAI Sede e os Povos Indígenas. A oficina de planejamento 2017-2019, tantas vezes adiada e sem perspectiva de acontecer por falta de recursos, poderia ser o início desse diálogo. Retomar as reuniões dos Comitês Regionais, que é um espaço de debate, planejamento, definições de prioridades, de controle social, de participação dos povos indígenas, é outro caminho.O movimento indígena já demonstrou que não se calará e lutará, de forma incessante, para o fortalecimento da política indigenista e, consequentemente, da FUNAI, com um diálogo franco e construção coletiva. Essa luta está demonstrada na atual ocupação da sede da Coordenação Regional Nordeste II pelos representantes dos Povos Indígenas no Ceará, com apoio dos Povos Indígenas dos Estados do Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba, desde o dia 20 de março de 2017, por não aceitarem a nomeação de uma pessoa sem que houvesse tido qualquer consulta ao movimento indígena.Nós servidores consideramos que os atos de manifestação e protestos realizados pelos povos indígenas são legítimos e merecem atenção do Estado brasileiro, pois, infelizmente, esta tem sido a única maneira dos Povos Indígenas serem ouvidos nesses últimos anos. No entanto, mesmo com a ocupação permanecendo desde o dia 20 de março, não há qualquer sinalização de diálogo por parte da Presidência da FUNAI. É preciso que a Presidência dê uma resposta imediata aos indígenas e aos servidores, pois nossas ações estão paradas e os conflitos em terras indígenas só tendem a se agravar.Ao tomarmos ciência do Decreto nº 9.010/2017, nosso sentimento foi de tristeza, desânimo e total impotência frente a esse quadro de desmonte institucional. No entanto, a força do movimento indígena e a busca pelo fortalecimento da política indigenista fez transformarmos esse sentimento em uma enorme vontade de resistir e lutar por uma vida longa à nossa Fundação Nacional do Índio, tão massacrada por cumprir seu papel na demarcação das terras e na proteção dos direitos dos Povos Indígenas. Contra esse conjunto de ataques, o movimento indígena e os servidores, estarão juntos para resistir ao desmonte da política indigenista e fazer avançar na garantia dos direitos indígenas em nosso país.Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba31 de março de 2017.
Por: Cícero Portela | Portal ODia
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